De Corte e de Dor
Infância
Aquele rosto crispado de dor...
Quantas vezes o vi assim!
Os olhos castanhos escuros de minha mãe,
Cheios de lágrimas!
Mas
no desassombro da resolução,
Lança o seu olhar para o vazio,
Para longe, para o alto,
Parece projetar um outro mundo melhor!
Entretanto, em certas agruras da vida quase
sem recursos,
A força de uma humilhação
a fazem encolher-se toda,
Fica sem palavras, e as lágrimas brotam
soltas!
Alguém já sentiu uma dor assim,
Capaz de fazer jorrar lágrimas, instantaneamente?
Ela fica muda, estática,
Mulher de resposta rápidas e certeiras,
cala-se.
Volta-se e entra em casa, sigo-a em silêncio,
Procurando os seus olhos marejados de lágrimas,
Castanhos escuros como os meus.
Amanhã, logo cedo já sabemos,
Falta-nos o arroz e a banha.
E não temos de onde tirar, pois a renda
do nosso sítio
Não chega para as três bocas
Deixadas em seus lombos pela viuvez
prematura!
É a minha missão, minha parte
na dor que ela sente;
Lá vou eu, com a pequena vasilha de
alumínio,
Buscar a colher de banha que nos falta,
E levo também um pequeno saco branco
para o arroz.
Caminho pelas amplas ruas ensolaradas da bela
manhã,
E, nervoso, vou fazendo a alça da vasilha
repicar nos batentes;
E penso: um dia isso terá que terminar!
Mas agora, tenho de ir, não há
jeito.
A minha tia coloca a banha na vasilha,
Empurra com os dedos a parte que ficou na
colher,
Enquanto espero, sinto uma amargura,
Uma vontade imensa de sair e não voltar
mais.
Ainda falta o arroz... Ah! o arroz!
Estendo o pequeno saco branco,
E sinto o peso de dois ou três litros
de arroz
Que caem, fazendo um chiado seco, lá
no fundo do saco.
Enquanto ajunto aquelas coisas, penso...
Por que azares do destino eu tenho de fazer
isso?
Pronto! Até que enfim! Já estou
de novo na rua!
Enquanto caminho para casa, vou relembrando...
A minha mãe lutando na máquina
de costura,
As suas mãos firmes acertando a linha,
E ajustando com precisão, o tecido
das
Costuras caprichosas que depois eu ia entregar,
— Cuidado para não amassar as camisas!
Ou, com as faces quentes do calor do fogão
de lenha,
Cozinhando ou fazendo quitandas!
A minha mãe certamente sabe o suor
que lhe custam as coisas!
E conhece, como ninguém, a dor de não
ter....
Ah! E como conhece!!
De olhos nas lembranças,
As minhas pernas se esquecem da pressa,
E já passa das onze horas da manhã!
Daqui há pouco, lá da Igreja
Matriz,
Partirá o foguete do meio-dia.
Estranho costume que nunca entendi; naquela
hora,
Soltam sempre um foguete de vara
Que chispa no ar e sobe... sobe,
Sobe e espouca sobre a calmaria da cidade!
Apresso os passos; tenho a cidade inteira
para atravessar,
E devo chegar em casa antes que o foguete
divida o dia em dois!
Lá está minha mãe; ansiosa,
espera-me na porta,
— Mãe, vim devagar— explico.
Sei a razão da sua preocupação
pois ela
Deve preparar a comida para que possamos ir
para a escola.
Ela recolhe aquelas coisas devagar e entra
em silêncio;
Sigo-a pelo corredor, atento ao movimento
de suas vestes,
E sem se voltar, ela diz:
—Vocês não terão que passar
o que eu passo,
Estudem, sejam alguém!
Dentro em pouco, o cheiro do alho frito na
banha para o arroz,
Espalha-se pela casa,
O chuchu verdinho, a abobrinha do quintal,
A carne de porco em pedaços, feita
na panela de ferro,
Onde ela pinga água de quando em quando,
São as coisas simples sobre a toalha
limpinha da nossa mesa.
Como apressado, com ela ainda ajeitando meus
cabelos.
Aí, o foguete sobe .... ecoa no ar,
sobre ricos e pobres,
O estrondo lúgubre quebrando a indolência
ensolarada da cidade.
Agarro a pasta, e saio correndo,
Ainda ouvindo ao longe a recomendação
de sempre:
"Estude, seja alguém!"
Rosas Brancas
Junto ao velho muro de taipa avermelhada,
Carcomido pelos látegos das chuvas,
Com todo o cuidado e desvelo,
Minha mãe fez o canteiro de rosas.
Esterco, casca de ovo moída,
Terra
afofada e bem regada;
E nada!
Por um capricho misterioso,
As roseiras encruadas, estéreis,
Recusavam-se a nos dar as suas flores
Para enfeitar nosso quintal.
Só uns poucos botões mirrados...
Ingratas roseiras!
Um dia, mudamos do velho chalé amarelo.
E então, quando já nem nos lembrávamos
delas,
Das roseiras encruadas,
Soam batidas na porta da rua e...
Ei-las! Um lindo buquê de rosas brancas!
De onde vinham?! Ora.... nem era preciso perguntar!
Pelas mãos de quem as trouxe, não
havia dúvida,
Eram de lá, do quintal do chalé
amarelo!
Finalmente, as roseiras floresceram com gosto!
Mas floresceram pelas mãos de quem
tantos espinhos
Cravou na alma de minha mãe!
Com uma pontinha de despeito, ela as recolheu:
—.... Como são lindas! Mas antes, não
gostaram
[dos meus tratos!
As rosas, que tardiamente agradeceram
[os cuidados recebidos,
Agora, eram mensageiras de velhas mágoas!
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